Detento de Goiás vai defender tese de doutorado dentro de presídio pela primeira vez

Pela primeira vez em Goiás, um detento irá defender a própria tese de doutorado dentro do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. O homem, que não teve o nome revelado, é formado em Design Gráfico e possui mestrado em Cultura Visual.

Ele ingressou no doutorado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2020 e defende, no trabalho, a inclusão de pessoas com deficiência, buscando responder à pergunta: como deficientes visuais podem visitar museus virtuais?

Ao O Popular, Daniel — nome fictício — contou que baseou o trabalho em uma análise de dados. Após o incentivo do orientador, passou a pesquisar algo inédito, partindo da seguinte ideia: uma pessoa que sempre esteve em ambientes visuais e acostumada a pensar para quem não tem deficiência visual deveria projetar e desenvolver uma interface voltada para quem tem.

Histórico

Daniel está preso desde agosto de 2024, acusado de praticar crimes sexuais, após já ter feito a qualificação do doutorado e cumprido as disciplinas e a carga horária obrigatória prevista. Inicialmente, ele foi levado para a Casa de Prisão Provisória (CPP) e, posteriormente, para a Penitenciária Odenir Guimarães (POG).

Devido à situação, ele chegou a acreditar que o projeto não iria para frente. No entanto, com a ajuda de professores do programa de pós-graduação e por meio de um pedido judicial, o mesmo foi autorizado a retomar os estudos.

Para se ter uma ideia, a rotina do detento envolvia quatro horas diárias de estudo, apenas no período da manhã. Em alguns momentos, sob supervisão, ele teve acesso a um computador com internet para realizar pesquisas bibliográficas. Além disso, recebeu orientações de forma remota.

Em entrevista ao O Popular, ele ressaltou que o maior desafio enfrentado durante o projeto foi transpor as experiências para o meio digital, conseguindo criar uma vivência sensorial para deficientes visuais.

“A gente entende a cegueira como algo diferente, abaixo do que é considerado normal. Só que a cegueira é uma forma de ver o mundo, pela experiência deles — pelo tato, olfato, outros sentidos. […] Outras possibilidades, às vezes até mais ricas do que só olhar”, explica.

Na prática, o projeto consistiu na criação de um tabuleiro de xadrez em que a pessoa, no espaço físico, movimenta as peças brancas, enquanto o computador controla as pretas.

Além de estudar, o detento também atua na mercearia da Seção Industrial, realizando trabalhos simples, como lixar rodas de carros de brinquedo. Com os conhecimentos obtidos, passou a operar uma máquina que transforma desenhos feitos no computador em comandos que se comunicam com outra máquina, responsável por realizar gravações, desenhos e recortes em madeira.

Com cerca de quatro anos de pena ainda a cumprir, ele reflete que outros detentos também possuem a mesma vontade de estudar.

“Não sou só eu aqui. Tem diversas outras pessoas que têm vontade de estudar. Reeducandos me param e me perguntam: ‘Você está fazendo faculdade? Estudando? Queria tanto uma oportunidade dessa!’ A pergunta é: por que não? É possível. Estou sendo uma prova disso”, finaliza.

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